terça-feira, 10 de julho de 2012

Crítica: A Delicadeza do Amor




Quando o feio bonito lhe parece

É preciso seguir em frente, trilhar novos caminhos, andar com as próprias pernas. Talvez esses tipos de metáforas ou clichês não sejam tão usuais na França, mas se encaixam no argumento de A Delicadeza do Amor (La Delicatésse). No filme, dirigido pelos cineastas estreantes David e Stéphane Foenkinos, o ato de caminhar é uma constante. Inicialmente, os passos de Nathalie (Audrey Tautou) percorrem uma rua recheada de toques de cor e integram o ritmo da trilha sonora. Afinal, logo após ela encontrará o apaixonado François (Pio Marmaï), seu futuro marido. A vida da protagonista se torna plena. No entanto, um acidente fatal a deixa viúva. Desde então, seu caminhar passa a ser arrastado, tudo fica cinza e a música se torna quase ausente. Num gesto simbólico, ela joga todos os pertences do falecido no lixo e se atira com todas as forças restantes no trabalho. Três anos depois, quando já havia angariado fama de workaholic, a personagem beija inesperadamente um novo colega de trabalho, o sueco Markus (François Damiens). A partir daí, o mundo certinho da trama começa a ruir e, nesse meio tempo, ocorre muito vai e vem por ruas, parques e corredores.


A empresa em que Nathalie trabalha tem uma forte relação com clientes suecos. Devido a isso, seu chefe, Charles, (Bruno Todeschini) supõe coerente pendurar na parede um cartaz de  Gritos e Sussurros (Viskningar och rop), de 1972,  e servir lanches tipicamente nórdicos. Tudo para que o ambiente pareça habitado por entendedores da terra de Ingmar Bergman. No entanto, a atmosfera de superficialidade não se resume a isso. As próprias relações interpessoais funcionam do mesmo modo. Todos são engomadinhos e bonitos demais. Somente quando se descobre a aproximação da personagem principal com o desengonçado e pouco atraente Markus, os preconceitos vêm à tona. Para os colegas, para os amigos e, principalmente, para o chefe de Nathalie, o sueco não está ao nível da jovem. Para eles, que vivem num mundo de rótulos, a aparência do affair da protagonista é suficiente para rejeitá-lo como possível pretendente . Dentro desse feixe de hipocrisias, o par romântico da personagem principal é a pessoa mais real. Apesar de atender a algumas das idealizações românticas como ser muito educado e apaixonado, ele também é o único que se revolta e toma uma atitude, inclusive, brigando com outro homem. Markus é a figura que foge ao mundinho literalmente colorido da história – a decoração é repleta de pontos de cor, em especial, as primárias.

Em termos técnicos o longa-metragem não foge ao usual, mas apresenta alguns aspectos interessantes. A câmera é usada de uma forma diferenciada em, ao menos, dois momentos: quando François pede a protagonista em casamento – o movimento dos personagens congela e a câmera os circunda, dando uma ideia de que os dias estão a passar; e quando Nathalie é avisada do acidente do marido – a imagem fica desfocada e confusa, evidenciando o estado mental da personagem. Já no mais, não há muito o que acrescentar: a trilha sonora é pouco ousada, atendo-se somente a embalar a narrativa; a fotografia e a montagem são quase burocráticas.

Lançado em 2001, o longa-metragem recebeu duas indicações ao César (por roteiro adaptado e filme de estreia), o principal prêmio da indústria cinematográfica francesa. Curiosamente, o roteiro foi escrito por David Foenkinos, também autor do best-seller que originou o argumento da obra. Para transpor sua história para a linguagem do cinema, o escritor contou com o apoio do irmão Stéphane, diretor de casting há 15 anos. 
A Delicadeza do Amor tem méritos, mas não foge o suficiente dos clichês das comédias românticas, em especial, das francesas. A personagem de Audrey, inclusive, é muito semelhante com outra vivida pela atriz em  Uma Doce Mentira (De Vrais Mensonges), de 2010: ambas são carrancudas, extremamente dedicadas ao trabalho e desinteressadas em se apaixonar. No caso das obras citadas, as personagens tem o mesmo perfil, o que, talvez não por culpa da intérprete, limitou a atuação. De fato, uma das carências do longa-metragem é um aprofundamento psicológico que suprisse a aparência superficial dos personagens secundários. As personalidades ficam calcadas nos estereótipos: a megera a ser domada, o atrapalhado mocinho a conquistá-la e os críticos a apontar defeitos. Portanto, apesar do encerramento poético, o superficial dá o tom. A referência à obra bergmaniana se restringe somente ao cartaz na parede da sala do chefe de Nathalie. Enfim, trata-se de um filme agradável, mas daqueles que fogem à memória no acender das luzes
A Delicadeza do Amor 
Título original: La Delicatésse
Ano: 2011                        Estreia no Brasil: Mai/12
Direção: David Foekinos e Stéphane Foekinos
Roteiro: David Foekinos 
Com: Audrey Tautou, François Damiens, Bruno Todeschini, Pio Marmaï, entre outros.
Duração: 108 minutos

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