quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Crítica: Rock of Ages: O Filme


Faltou o rock'n roll


Considerado um período menos profícuo da história do rock, os anos 80 são o plano de fundo do satírico musical Rock of Ages: O Filme (Rock of Ages). Com direção de uma figura experiente no gênero, Adan Shankman (de Hairspray – Em Busca da Fama e de alguns episódios da série Glee), o filme é composto por diversas números musicais baseados em sucessos da época, como I Want to Know What Love Is e I Love Rock'n Roll.

Com trajetória na música country, a atriz Julianne Hough dá vida à Sherrie, uma jovem do interior do Oklahoma que viaja até Hollywood com o sonho de se tornar uma cantora famosa. Logo ao ingressar na cidade, a garota é assaltada; porém, recebe apoio de Drew (Diego Boneta). Funcionário da famosa, mas decadente casa de shows The Bourbon, o garoto também ambiciona se tornar um rockstar. Em crise financeira, o local é palco do último show da popular banda Arsenal, liderada pelo excêntrico Stacce Jaxx (Tom Cruise). No entanto, sob comando da primeira-dama Patricia Whitmore (Catherine Zeta-Jones), um grupo de mulheres ultraconservadoras clama “Clean the Sunset Strip”. O enredo ainda conta com os personagens Dennis Dupree (Alec Baldwin), proprietário da The Bourbon; Lonnie (Russell Brand), funcionário da casa de shows; Constance Sack (Malin Akerman), repórter da Rolling Stone; Justice (Mary J. Blidge), dona da boate de striptease Venus Club; e o empresário Paul (Paul Giamattoi).

Baseado na peça homônima de Chris D'Arienzo, o longa-metragem é composto de poucos momentos sem música, mas contém raras coreografias. Em geral, a dança é produto da montagem repleta de cortes rápidos. No entanto, há alguns momentos de exceção, como, por exemplo, quando o grupo liderado pela primeira-dama canta e dança Hit Me with Your Best Shot. Em contrapartida, todos os personagens que tem alguma expressão na trama cantam, inclusive, um funcionário do The Bourbon que sequer sabe falar em inglês. Já dotadas de letras meio bregas, as músicas adquirem um tom ainda mais meloso ao serem cantadas num ritmo muito próximo ao pop.


A fotografia muito luminosa aliada ao cenário e aos figurinos coloridos dão um tom ainda mais teen à obra. A intenção dos realizadores parece ser a sátira, mas eles pegam tão pesado que quase gera dúvidas. O casal de protagonistas é, inclusive, uma ode ao clichê. Há, por exemplo, uma fala sobre o fato de que a garota, na verdade, não viajou em busca de sucesso, mas de um grande amor. Tudo isso é permeado por piadas pastelão, escrachadas e, por vezes, escatológicas. O próprio Tom Cruise parece se esforçar, mas o personagem não ajuda, apesar de lembrar seu eu fictício de Magnólia (Magnolia, 1999) numa versão piorada.


Apesar de ser dotado de algumas ideias interessantes, mas nem tão criativas, como a hipocrisia da primeira-dama e do prefeito, o filme se perde na sua proposta. Com exceção de um ou dois momentos (como a da piada de que ser stripper é menos pior que ser de uma boy band), a obra se mostra boba e irritante. Pelo visual, pelos personagens bobos, pelo casal meloso, pelo enredo raso, Rock of Ages está muito mais para High Scholl Musical do que para um musical rock'n roll. Por menos rebelde e original que os anos 80 possam ter sido, eles não mereciam semelhante lembrança. Uma frase comentada à exaustão durante a história poderia ser verdade se dependesse dessa obra, “rock is dead”.

Rock of Ages: O Filme
Título Original: Rock of Ages
Ano: 2012 Estreia no Brasil: AGO/12
Direção: Adam Shankman
Roteiro: Allan Loeb, Chris D'Arienzo e Justin Theroux
Com: Alec Baldwin, Catherine Zeta-Jone, Tom Cruise, Paul Giamatti, Russell Brand, entre outros.
Duração: 123 minutos

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Recesso



As postagens de críticas ficarão suspensas nos próximos 10 dias, pois integrarei o Júri Popular do 40º Festival de Cinema de Gramado.

Abs
Priscila Mengue

sábado, 4 de agosto de 2012

Crítica: Violeta Foi Para o Céu



A pessoa por trás do mito


Um dos mais expressivos nomes da cultura chilena, Violeta Parra é a estrela da cinebiografia Violeta Foi Para o Céu (Violeta Se Fue a los Cielos). Agraciada com seis prêmios internacionais, a obra recebeu o Prêmio do Júri Oficial do Festival de Sundance 2012, na categoria cinema mundial de ficção. O roteiro é inspirado no livro homônimo de Angél Parra, filho da personagem título. A direção é, por sua vez, assinada por Andrés Wood, que já tinha cinco longas-metragens no currículo, dentre eles Machuca (Machuca), de 2004.

Estruturado de forma não cronológica, o filme retrata diversos momentos entre a infância e a morte da cantora, compositora e artista plástica Violeta Parra (Francisca Gavilán). Um dos grandes nomes da cultura chilena, a protagonista era uma dos tantos filhos de uma índia com um professor de música. Após tornar-se órfã ainda criança, resta-lhe apenas um violão velho pertencente ao falecido pai viciado em jogos de azar. Seu contato com a música começou ainda nos seus tempos de menina, quando acompanha seu progenitor, Nicanor Parra (Christian Quevedo) em modestas apresentações nos bares da região em que viviam. Após passar um tempo se apresentando em uma companhia, a personagem decide focar seu trabalho nas músicas tradicionais do país, dedicando-se a pesquisar o folclore chileno e adquirindo fama internacional.

Guiado por uma participação de Violeta em um programa de TV, a montagem mantém-se circular, não sendosonfusa apesar de misturar diversos períodos temporais. Como é esclarecido ao final, os acontecimentos são apresentados desta forma forma, pois são uma espécie de fluxo de lembranças da protagonista à beira da morte. A ênfase fica, portanto, nos momentos teoricamente mais marcantes da vida da artista: como a morte do pai, a apresentação na Polônia comunista, a morte da filha, o relacionamento com o suíço Gilbert Favre (Thomas Durand) e o insucesso do que ela almejava ser a Universidade Folclórica do Chile.


Além de não seguir uma linha temporal de acontecimentos, o longa-metragem também é repleto de montagens paralelas. Dentre elas, se destaca o momento em que é cantada Volver a los 17, pois são mostradas de forma intercaladas duas apresentações da atriz: uma para seu povo, na Tenda; e outra para a alta sociedade, em um prédio luxuoso. Esse momento funciona, portanto, como uma ilustração do ponto alto em que ela se encontra. No entanto, logo após o ápice da música, a personagem já leva seu primeiro golpe ao perceber que seu canto não foi suficientemente valorizado pela burguesia chilena. O segundo baque da compositora só ocorre mais tarde, mas é mais forte, pois dessa vez é o público que não a apoia suficientemente.

A construção do filme tem ainda como mérito um roteiro sem irregularidades, o qual mantém momentos significativos ao longo de toda a trama. O final é, aliás, possivelmente, o momento mais forte da história, pois simboliza os conflitos e as lutas de Violeta. Assim como diz sua canção El Gavilán, a protagonista que se mostrava tão forte poderia também ser frágil perante o homem. Para evidenciar a identificação da personagem com uma metáfora criada por ela mesma, permeia-se as cenas finais com o ataque fatal de um gavião a uma galinha. Aterrorizada, a ave tenta fugir do predador, mas ela não consegue resistir, sucumbindo nas garras do animal mais poderoso. De mesma forma, a artista se sente ao ser abandonada pelo amante Gilbert e ao perceber que as apresentações na tenda não têm mais condições de continuar.


Apesar de ser uma cinebiografia, o roteiro não caiu na tentação de mostrar uma figura quase maculada. A Violeta Parra desse filme tem diversas facetas, é humana. Mostra-se, inclusive, tanto aquela que expôs no Museu do Louvre quanto a que deixou um bebê de nove meses sob os cuidados de outra criança. Afinal, a determinação da protagonista não é mostrada com idolatria, mas sim evidenciando os conflitos dessa mulher que tanto sofreu, teimou e se dedicou por ideais, convicções e desejos.

Centrado na personagem principal, o filme encontrou uma base extremamente sólida na interpretação de Francisca Gavilán. A chilena de 39 anos deu corpo e voz à protagonista, parecendo-se muito com a personagem principal. O trabalho de canto da atriz foi, inclusive, bastante eficaz, pois não fugiu às características do estilo de Violeta. Isso possibilitou, portanto, que não fosse necessário o uso de imagens e sonoras de arquivo, o que poderia gerar danos à coesão da trama.


Repleto de belas paisagens, a obra conta ainda com uma fotografia crua e carente de colorido. Os momentos no Chile foram mostrados em meio a uma atmosfera terrosa, enfatizando o pouco luxo das instalações. No entanto, em alguns momentos, as imagens em cor são substituídas pelo preto e branco oriundos teoricamente de uma câmera doméstica manejada em cena e de imagens de televisão. Com o intuito de evidenciar os sentimentos da protagonista, o filme é repleto de closes no rosto, em especial, nos olhos de Violeta. A exposição frequente de sua face funciona quase como um convite para adentrarmos na alma da personagem. A trilha sonora é, por sua vez, composta basicamente pelas músicas da figura principal, sendo a imensa maioria delas executadas dentro da própria história.

Violeta Foi Para o Céu é, enfim, uma interessante e emocionante narrativa de uma forte mulher latina. Muito mais do que um mito da cultura, mostrou-se os conflitos de um ser humano que persistiu o quanto pode. Com uma excelente atuação principal, uma trilha interessantíssima e um enredo bem construído, o filme vai muito além da mera documentação. As diversas qualidades da obra possibilitam, portanto, que mesmo o público que desconhece Violeta Parra aprecie o longa-metragem.

Violeta Foi Para o Céu
Título original: Violeta se Fue a los Cielos
Ano: 2011 Estreia no Brasil: Jul/2012
Direção: Andrés Wood
Roteiro: Eliseo Altunaga
Com: Francisca Gavilán, Thomas Durand, Christian Quevedo, entre outros.
Duração: 110 minutos

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Crítica: Bel Ami - O Sedutor


Pouco convincente galanteador conquista Paris


Dirigido pelos estreantes Declan Donnellan e Nick Ormerod, Bel Ami - O Sedutor (Bel Ami) é uma adaptação do romance homônimo de Guy de Maupassant, escrito em 1885. Apesar de outros realizadores já terem se baseado no livro, nenhuma versão cinematográfica teve repercussão satisfatória. No entanto, outros trabalhos do escritor tiveram caminhos mais bem sucedidos no cinema, como as obras Masculino Feminino (Masculin Féminin), de 1966, Um Dia no Campo (Partie de Campagne), de 1936, e Uma Mulher Sem Amor (Uma Mujer Sin Amor), de 1952, dirigidas respetivamente por Jean-Luc Godard, Jean Renoir e Luís Buñuel. O último lançamento inspirado nos escritos do francês não integra, contudo, esse grupo, pois é uma obra fraca, carente de um bom roteiro e protagonista. Falado em inglês, o longa-metragem tem um título alusivo a um apelido dado ao protagonista pela filha de uma de suas amantes.

Ambientada na Paris do final do século XIX, a trama aborda a ascensão social de um marginalizado ex-combatente da Guerra da Argélia, George Duroy (Robert Pattinson). Ao visitar uma espécie de bordel, o protagonista encontra um antigo colega do exército, Charles Forestier (Philip Glenister) o qual exerce um papel de destaque num importante jornal. O personagem principal é, então, convidado para um jantar no qual é apresentado a três mulheres que possibilitarão mudanças na sua vida: Madeleine Forestier (Uma Thurman), esposa do anfitrião; Virginie Rousset (Kristin Scott Thomas), casada com o dono do periódico; e Clotilde de Marrele (Christina Ricci), uma socialite também compromissada com um importante homem. Durante a refeição, a esposa do dono da casa sugere ao visitante que escreva artigos sobre suas experiências em Argel. Semi-analfabeto, o protagonista produz seus textos com ajuda de Madeleine, a qual praticamente faz tudo sozinha. Aos poucos, o personagem vai se envolvendo com as três mulheres, seja por paixão seja por ambição. No entanto, um baque na história o faz perceber que, na verdade, não passa de um objeto nas mãos das três damas.

Um dos grandes problemas do filme reside na escolha do ator principal, pois Robert Pattinson carece do charme, sensualidade ou qualquer outro fator que justificasse o fato de seu personagem deixar as mulheres em polvorosa. Além disso, sua atuação é exagerada, repleta de trejeitos faciais, como sobrancelhas levantadas e olhos esbugalhados. Talvez devido a isso e à competência das intérpretes, as atenções voltam-se para as três figuras femininas principais. Afinal, Uma Thurman consegue dosar as diversas facetas de Madeleine, assim como Christina Ricci encarna toda a sensualidade e a devoção de sua personagem e Kristin Scott Thomas traz, por sua vez, uma atuação que vai do recato ao passional.


Outro elemento pouco positivo do longa-metragem é o roteiro: os acontecimentos vão ocorrendo de forma enfileirada, sem muitas vezes haver uma premissa clara. Além disso, a descrição psicológica do personagem fica muito restrita a falas curtas sobre sua antiga vida no campo ou na guerra. Esse aspecto só não é mais prejudicado devido a alguns momentos em que é mostrado um percevejo andando sobre a cama do protagonista, evidenciado a fobia que o mesmo detinha contra a pobreza. Por fim, o plano de fundo político sobre a importância feminina e os esquemas pouco éticos é mal aproveitado, desenvolvendo superficialmente o contexto em que a história está inserida.

Em contrapartida, o cenário e o figurino parecem muito fiéis ao período retratado. No entanto, pecou-se em parte da composição visual do protagonista, que sofre poucas modificações na aparência mesmo após ascender economicamente. Afinal, não faz muito sentido que ele apresente, diferentemente dos outros homens da alta sociedade, largas olheiras, cabelos ensebados e uma pele com aparência pálida, quase doentia. Já a trilha sonora é basicamente instrumental, atendo-se a um ritmo parecido com o usado em filmes de suspense.

Bel Ami - O Sedutor é, enfim, uma obra de poucas qualidades. Talvez as coisas pudessem ser diferentes se o elenco contasse com uma figura masculina forte, algum Alain Delon do século XXI. No entanto, como nem tudo são defeitos, o filme conta com ótimas interpretações femininas, que trazem um brilho à trama.



Bel Ami - O Sedutor
Título Original: Bel Ami
Ano: 2012                    Estreia no Brasil: ago/12
Direção: Declan Donnellan e Nick Ormerod
Roteiro: Rachel Bennette
Com: Roberto Pattinson, Uma Thurman, Christina Ricci, Kristin Scott Thomas, entre outros.
Duração: 102 minutos

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Crítica: Aqui é o Meu Lugar


Em vez de fama, este rockstar busca autoconhecimento


Ao telefone, um personagem conversa com a esposa. Num determinado momento, ela questiona se ele está tentando se encontrar. Em resposta, o protagonista diz que está no Novo México, não na Índia. No entanto, por mais aguda que seja a fala do eu fictício, Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place) é justamente a jornada de autoconhecimento de um homem que vivia assombrado por acontecimentos do passado.

Mantendo-se da renda que construiu durante seus anos de fama, o ex-rockstar Cheyenne (Sean Penn) leva uma vida pacata em sua mansão localizada em Dublin (Irlanda). Há 30 anos longe dos palcos, o homem de visual andrógino parece cansado de viver: seus movimentos são lentos e sua fala é pausada e rouca, dando uma aparência fragilizada ao personagem de maquiagem forte e cabelos desgrenhados. No entanto, seu cotidiano entediado sofre uma mudança brusca quando ele é avisado que seu pai está à beira da morte. Devido ao medo de viajar de avião, o personagem vai até Nova Iorque de navio, mas chega tarde demais. Após o enterro, ele descobre que seu progenitor esteve preso em Auschwitz durante a II Guerra e, em busca de vingança, teria dedicado o resto de sua vida em busca do nazista que o torturou. Apesar da relação difícil que mantinha com a família, o protagonista decide ir à procura do algoz de seu pai, iniciando uma viagem por diversos cantos dos Estados Unidos.

Ao longo do filme, são apresentados vários personagens, sendo dois deles muito expressivos na vida da figura principal: a esposa Jane (Frances McDorman) e a jovem amiga Mary (Eve Hewson). Casada com o protagonista há 35 anos, a bombeira é a pessoa dominante na relação. Isso fica evidente no contraste das personalidades, pois ela é cheia de energia, extrovertida e atlética enquanto que seu cônjuge é apático, introvertido e vítima de dores musculares. Já a amizade com a adolescente evidencia alguns ressentimentos advindos do passado. Cheyenne se tornou famoso por suas músicas depressivas, as quais teriam culminado no suicídio de dois fãs. O fato de que isso também possa acontecer com Mary o preocupa tanto que ele decide tentar juntá-la com o jovem e apaixonado Desmond (Sam Keeley).


Agraciado com o Prêmio do Júri Ecumênico do Festival de Cannes 2011, Aqui é o Meu Lugar é o quinto longa-metragem do diretor Paolo Sorrentino. Vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2008 por O Divo (El Divo), o cineasta é o principal expoente do chamado Risorgimento, uma geração de realizadores que está trazendo o tradicionalíssimo cinema italiano de volta aos holofotes. O título original do filme é proveniente da música homônima da banda Talking Heads, cujo ex-vocalista, David Byrne, faz uma participação especial no longa-metragem. O show do roqueiro é, inclusive, um momento ímpar dentro da trama, pois é construído de uma forma muito inteligente, com um cenário de fundo que se movimenta durante a apresentação. Além dessa cena, a canção título aparece em várias outras situações e em diversas versões e vozes.

O filme peca, no entanto, no excesso de subtramas como, por exemplo, o sumiço do irmão de Mary e o interesse da banda The Piece of a Shit em ser produzida pelo protagonista.  Essas situações ficam deslocadas, pois não acrescentam sentido à história, somente atrasando o início da jornada do personagem. A extensão excessiva da introdução prejudica o desenrolar do enredo, dando uma ideia de falta de planejamento de seus roteiros. Afinal, o estilo road movie só começa algumas dezenas de minutos após o início da obra. Em contrapartida, as figuras que surgem no decorrer da viagem aparecem de forma rápida, mas acrescentam elementos importantes para o aprofundamento da narrativa.


Apesar de apresentar diversos eu fictícios, Aqui é o Meu Lugar é Cheyenne. Todos os são, na verdade, elementos catalisadores de emoções. Uma das falas de outra figura fictícia, Ernie Ray (Shea Whigham), evidencia um pouco de quem é o protagonista. O homem diz que tem um cão que é manso com todos, mas que, no fundo, é cheio de agressividade. De certa forma, é isso que ocorre com o roqueiro: ele tenta disfarçar suas evidentes angústias oprimindo-se de tal forma que sua raiva somente é demonstrada contra uma mecha de cabelo que teima em cair sobre seu rosto.

Com inspiração no vocalista do The Cure, Robert Smith, o personagem de Sean Penn é dotado de naturalidade, fugindo a qualquer tipo de estereótipos caricaturais. Para dar contraste ao visual pesado, optou-se por uma interpretação pausada, com movimentos lentos, dando fragilidade e expondo a tristeza de Cheyenne. Visando enfatizar as mudanças do personagem, o início do filme é composto de diversos planos em que a movimentação de câmera é devagar, sendo composta até mesmo de alguns slow motions. Já a fotografia aposta no contraste, em que um roqueiro todo de negro parece deslocado no ambiente muito iluminado e repleto de cores quentes. Dentro da composição visual, destaca-se o fato de que a maioria dos personagens terem olhos azuis: Cheyenne, Jane, Mary, a mãe de Mary (Olwen Fouere), o caçador de judeus Monderclai Midler (Judd Hirsch), a garçonete Rachel (Kerry Condon).


No entanto, mais do que qualquer elemento técnico, o destaque do longa-metragem são as falas, em especial as de Cheyenne. Apesar de curtos, os diálogos do personagem são ácidos, contrastando também com a vagarosidade de sua voz. Há discursos de teor cômico como, por exemplo, quando afirma que o primo usa dentadura, pois os dentes dele seriam perfeitos demais para serem reais.  Em contrapartida, também há frases tristes como uma expressão advinda do diário do pai, em que o mesmo diz que há diversos tipos de morte e o pior deles é continuar vivendo.

Aqui é o Meu Lugar é um road movie diferente: seu protagonista viaja em um carro de luxo e anda a maior parte do tempo em companhia de uma mala de rodinhas. Além disso, diferentemente da maioria dos filmes do gênero, a estrada e os locais têm pouca importância. Não se trata, portanto, de uma jornada em que o autoconhecimento está relacionado a novas experiências e aventuras, mas sim a escolhas e reflexões a respeito do passado. A nova obra de Sorrentino é, enfim, a história de um homem que não se adequou ao passar do tempo porque estava preso aos arrependimentos da juventude.

Aqui é o Meu Lugar
Título original: This Must Be the Place
Ano: 2011                   Estreia no Brasi: Jul/2012
Direção: Paolo Sorrentino
Roteiro: Paolo Sorrentino e Umberto Contarello
Com: Sean Penn, Frances McDormand, David Byrne, Judd Hirsch, entre outros.
Duração: 118 minutos


sábado, 28 de julho de 2012

Crítica: Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge



O ressurgimento do homem por trás da máscara


Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rise) é uma daquelas grandes exceções do cinema, em que praticamente todos os segmentos de público se juntam para assistir ao mesmo produto. Não se trata apenas de mais um blockbuster, mas sim de uma trama que leva, ao mesmo tempo, cinema autoral e excelência técnica à trajetória de uma pessoa que não consegue conviver com traumas do passado.

O último filme da saga se passa oito anos após a morte de Harvey Dent/Duas Caras (Aaron Eckhart), num momento em que os crimes foram praticamente erradicados de Gothan. A morte do promotor público foi o estopim para modificações na legislação e na fuga de diversos corruptos locais. A culpa pelo crime recaiu, no entanto, sobre Batman (Christian Bale), o qual nunca mais foi visto desde aquela noite.  Após sua aposentadoria como super-herói, o bilionário Bruce Wayne isola-se em sua própria mansão. O antes forte justiceiro está frágil, precisando de uma bengala para se locomover. Sem atuar como o homem-morcego, ele se torna uma figura sem propósito, vagando sem diretrizes.  A situação somente começa a se modificar quando Selina Kyle (Anne Hathaway) furta o protagonista. No entanto, é a vinda de Blane (Tom Hardy), ex-membro da Liga das Sombras, que resulta no ressurgimento do Cavaleiro das Trevas . Em contraste com a própria ideologia higienista que propaga, o vilão organiza seus trabalhos nos subterrâneos, isto é, ele organiza a limpeza moral da cidade no local onde a mesma despeja seus dejetos. Além dos já conhecidos Comissário Gordan (Gary Oldman), Alfred (Michael Caine) e Fox (Morgan Freeman), são apresentados novos personagens, como o jovem policial Blake (Joseph Gordon-Levitt) e a investidora Miranda (Marion Cottilard).

Como fechamento bem-sucedido, o filme dialoga com seus antecessores Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight), de 2008, e Batman Begins (idem), de 2005. Não só personagens são retomados, mas também conflitos já evidenciados nas outras obras. No entanto, dessa vez, a figura central é a própria cidade de Gothan. Ao longo de quase três horas, diversos eus fictícios e subtramas são apresentadas, o que enfraquece a coesão da história. O excesso de situações em alguns momentos resulta em resoluções rápidas e insípidas. A segunda recuperação física de Bruce é, por exemplo, mostrada de uma forma um tanto quanto superficial se comparada à gravidade da lesão. Além disso, o desfile de personagens é tão intenso que o próprio Batman se torna coadjuvante.


O longa-metragem trabalha com situações de contraste entre o corpo e o olhar, a natureza física e a psicológica. Nem sempre a mente aguenta fazer aquilo que é preciso, então, aqueles que nos apoiaram (ou poderiam fazê-lo) nos abandonam, buscando se autoproteger. Os personagens da trilogia de Christopher Nolan não são figuras irreais que colocam a salvação do mundo acima de tudo: eles têm fraquezas, anseios, dúvidas, decepções. O olhar de Blake perante a figura de Batman é impressionante, pois exala de uma forma muito intensa a admiração do jovem policial idealista. A mesma figura que tem o Homem-Morcego como ídolo vê, no entanto, de forma decepcionada o trabalho dos policiais que guardam a ponte que liga Gothan ao resto do mundo. Em contrapartida, o aspecto visual mais evidente em Bane é sua aparência física impressionante, sua máscara assustadora e sua voz grave e raivosa. No entanto, em determinado momento da trama, o vilão mostra seu outro lado, protagonizando uma cena de pura comoção, a qual fica evidente apenas pela única parte do rosto visível, os olhos.

As atuações são, inclusive, uma atração à parte, em especial a de Michael Caine. O mordomo de forte sotaque britânico protagoniza duas das mais emocionantes cenas do longa-metragem. Diferentemente dos dois outros Batmans, dessa vez, ele se mostra cansado e preocupado. A relação paternal com Bruce se modifica e as piadas tão comuns em suas falas dão lugar a diálogos profundos e tristes. Christian Bale protagoniza, por sua vez, um personagem que transita entre o frágil e o inabalável. O ator consegue passar as dificuldades físicas do personagem, ao evidenciar as dificuldades de locomoção e até mesmo para falar. O aspecto verbal, inclusive, é um diferencial, pois há uma grande diferencia entre as vozes de Bruce e Batman.  Além de um disfarce, a fala do super-herói é meio rouca meio grave, como se fosse de alguém que quisesse exorcizar seus demônios. Em contrapartida, Anne Hathaway dá vida a uma sensual e muito elegante Selina Kyle. No entanto, apesar de também participar de cenas de ação, a ladra é a principal fonte de leveza da trama, protagonizando a maioria das cenas de humor e romance.  Já os personagens de Gary Oldman e Morgan Freeman dessa vez têm um pouco menos de destaque, mas continuam exitosos em seus papéis.


Aliada às boas atuações, está a quase onipresente trilha de Hans Zimmer. As canções que embalam a maior parte da trama são tão envolventes e bem encaixadas que dão força às cenas em que não estão presentes. É o caso, por exemplo, do primeiro embate entre Batman e Bane, em que os sons dos golpes embalam a própria cena. O mesmo ocorre no momento em que um menino canta em um estádio de futebol, pois a voz frágil e comovida do garoto dá um tom ainda mais dramático ao que vai ocorrer. Já a montagem sofre em parte com o excesso de subtramas. As cenas iniciais, como o primeiro dos dois discursos de Gordon no Dent Day e o sequestro do Dr. Pavel, se mostram pouco necessárias à narrativa, trucando o desenrolar da história. Apesar disso, a trama está razoavelmente bem costurada e detém algumas boas montagens paralelas, que dão ainda mais dinamismo às sequências.

Do ponto de vista ideológico, a narrativa se mostra um pouco contraditória. Afinal, o mesmo Batman que conviveu na cadeia com diversos presos - e foi ajudado por muitos – parece aprovar o rigor da Lei Dent. Devido à nova legislação, os detentos praticamente têm seus direitos anulados, chegando ao cúmulo de se prender mulheres junto a homens. Independente de pontos de vista políticos, soa estranho a forma totalmente diferente de como são mostrados os prisioneiros de Pietra Dura e os quase maníacos de Arkhan e Blakegate. Ao mesmo tempo, parece ainda mais estranho o fato de que, mesmo após o ocorrido no estádio de futebol, parte da população se alia à Blane. Os tribunais quase jacobinos parecem forçados demais para uma cidade muito mais oprimida e amedrontada do que adepta de um discurso social altamente totalitário.


Apesar de alguns poréns, O Cavaleiro das Trevas Ressurge encerra de forma muito qualificada uma trilogia que provavelmente vai entrar para história do cinema de super-herói. A opção por um enredo mais naturalista, fugindo às fantasias comuns dos HQs e aos maniqueísmos, deram base para o desenrolar de uma saga bem costurada, que dialoga entre si e com a própria sociedade atual. Diferentemente do que li e ouvi por aí, não considero o final ambíguo. Devido às diversas situações dentro da história, em especial ao último diálogo de Fox, parece-me certo que o desfecho de Batman foi realmente aquele mostrado, não sendo, portanto, produto da imaginação de outro personagem.  Os 12 milhões de habitantes da fictícia metrópole norte-americana terão, portanto, que contar com outra figura, caso isso seja necessário.


Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
Título original: The Dark Knight Rises 
Ano: 2012                          Estreia no Brasil: Jul/12
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan e David S. Goyer
Com: Christian Bale, Michael Caine, Gary Oldman, Morgan Freeman, Anne Hathaway, Marion Cotillard, 
Joseph Gordon-Levitt, Tom Hardy, entre outros.

Duração: 164 minutos

domingo, 15 de julho de 2012

Crítica: Deus da Carnificina


A civilidade como produto da mera dissimulação


Décadas após o lançamento da chamada Trilogia dos Apartamentos, o diretor franco-polonês Roman Polanski retorna a esse tipo de ambiente. Dessa vez, no entanto, não se trata de situações de suspense, terror e afins, como ocorre em Repulsa ao Sexo (Repulsion), de 1965, O Bebê de Rosemary (The Rosemary’s Baby), de 1968, e O Inquilino (Le Locataire), de 1976. Em Deus da Carnificina (Carnage), o realizador transita entre o drama e a comédia, buscando revelar uma suposta hipocrisia de uma sociedade de aparências, que está refém do senso comum e do politicamente correto.

Com exceção de duas curtas cenas em um parque, a trama se passa exclusivamente no apartamento do casal Longstreet, Penelope (Jodie Foster) e Michael (John C. Reilly), que recebe a visita dos Cowan, Nancy (Kate Winslet) e Alan (Christoph Waltz). O objetivo do encontro seria conversar sobre a agressão cometida pelo filho dos visitantes contra o herdeiro dos anfitriões. No entanto, no decorrer da reunião, a conversa toma outros rumos, desmitificando a inicial aparência polida de seus protagonistas. Ambientado em Nova Iorque, mas filmado em Paris, o longa-metragem foi lançado no Festival de Veneza de 2011. No evento cinematográfico, recebeu duas indicações a melhor atriz (Jodie Foster e Kate Wislet) e foi agraciado com o Pequeno Leão de Ouro, prêmio concedido por estudantes de cinema italianos recém-formados.

Co-roteirista do longa-metragem, Yasmini Reza é autora da peça homônima, montada em diversos países, inclusive no Brasil, e vencedora de um prêmio Tonny. Como herdeiro dos palcos, o filme está calcado nos diálogos. Entretanto, visto que se trata de outra linguagem, tem-se uma câmera que transita entre ambientes e entre a subjetividade das figuras em cena, em vez de uma visão generalizada do que ocorre no palco.


A relação entre os pais funciona de forma inversamente proporcional a das crianças, pois eles cometem o oposto dos meninos que, tempos após a briga, se reconciliam. Os adultos, no entanto, vão, aos poucos, revelando suas faces egocêntricas, teimosas e, de certa forma, até mesmo infantis. Desde o início, ficam claras as divergências entre os casais. Até mesmo em momentos mais contidos, já está evidente a presunção de seus personagens, pois os mesmos se reúnem para decidir o destino de figuras que não foram convidadas a estar presentes.  No entanto, isso fica mais latente após o momento em que Nancy vomita. A reação física e involuntária da personagem funciona como uma espécie de símbolo do que está por vir. A partir daquele momento, os movimentos e as expressões contidas serão substituídos por um discurso mais direto, passional e, até mesmo, violento. A conversa sobre a briga dos filhos é protelada em troca de discussões a respeito da maternidade, do casamento e de outros elementos sociais, sendo reveladas opiniões pouco afins ao padrão de sociedade. Ao mesmo tempo em que a discussão se torna mais violenta, a relação entre os mesmos fica mais íntima. Ao final, eles já se tratam pelo primeiro nome e, em um determinado momento, chega a ocorrer uma discussão entre sexos, em que, de certa forma, as mulheres se unem para denunciar suas ânsias comuns. A ação, inclusive, está centrada principalmente nas figuras femininas, tanto que são somente elas que cometem agressões contra outrem e contra o próprio ambiente do apartamento.


Para quebrar o centralismo no diálogo, alguns objetos compõem as ações do filme, seja o celular onipresente de Allan ou as tulipas na mesa de centro. O aparelho do personagem de Waltz, inclusive, funciona quase como uma referência dentro da história. Afinal, é ele um dos elementos que desperta o desconforto e irritação dos personagens, assim como também é alvo de violência e, por fim, reabilita-se da agressão, retornando a seus afazeres pré-programados. De certa forma, também é isso que ocorre com os protagonistas, pois a presença de outrem lhes desperta sensações negativas, culminando na violência e retornando, no fim, aos seus aspectos normais, onde devem retornar a suas rotinas. A própria preocupação com as aparências vai se esvaindo por meio da escolha de consumo dos personagens, evoluindo de um bolo, para um café, um whisky e, por fim, alguns charutos que, teoricamente, não deveriam ser consumidos na residência de uma criança asmática.

O filme, no entanto, peca em um elemento crucial: a comédia. Em cartazes, em resenhas e em sinopses, ele é vendido como the new comedy of Roman Polanski, no entanto, a produção está bem aquém nesse quesito. Mesmo que os personagens masculinos utilizem de ironia ou humor em sua maior parte das falas, o que dá o tom é a tensão dos mesmos. Em alguns momentos, é perceptível a intenção de gerar risadas, mas o humor negro não consegue quebrar a barreira do choque moral das falas. A crítica proferida é mostrada de uma forma agressiva demais, dificultando as risadas. Contudo, isso não quebra totalmente a grandeza de certas partes do diálogo. Dentre elas, uma das mais evidentes é o vocabulário utilizado por Penelope, em que o uso de palavras como desfigurado e armado causam reações de discordância da parte do casal antagonista.


Deus da Carnificina é, enfim, uma parábola das máscaras da sociedade. Para seus autores, a hipocrisia ainda é uma característica latente neste mundo em que muitos falam da pobreza da África, mas, no fundo, estão preocupados somente consigo mesmos. No entanto, a discussão não tem tanta força, ainda mais quando é comprada com outras obras de construções semelhantes, como Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (Who’s Afraid of Virginia Woolf?), de 1966, e Doze Homens e uma Sentença (12 Angry Men), de 1957. Nem engraçado, nem provocador o suficiente, o filme funciona apenas como uma daquelas discussões polêmicas que, no fim, esvaem-se, voltando tudo ao normal no dia posterior.

Deus da Carnificina
Título original: Carnage
Ano: 2011               Estreia no Brasil: Jun/12
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Yasmina Reza e Roman Polanski
Com: Christoph Waltz, Jodie Foster, Kate Winslet, John C. Reilly, entre outros
Duração: 80 minutos

terça-feira, 10 de julho de 2012

Crítica: Para Roma, com Amor




Quatro doses de humor de qualidade


No livro Conversas com Woody Allen, o cineasta título comenta com o autor, Eric Lax, que mantém guardados em uma gaveta inúmeras gags e afins que ainda não foram postas em prática. Segundo o diretor, em geral, trata-se de pequenas esquetes que talvez não tivessem potencial para originar um longa-metragem. Seriam narrativas curtas, como Édipo Arrasado, um dos três média-metragens componentes de Contos de Nova York (New York Stories), de 1989 . Ao que me parece, Para Roma, com Amor pode ser originário de uma pequena busca nesse recanto de ideias. Afinal, o filme é composto por quatro histórias independentes que, inclusive, se passam em diferentes períodos de tempo, mas que são desenvolvidas de forma intercalada.
Logo no início da obra, o narrador se apresenta como um conhecedor de tudo o que acontece em Roma. A partir daí, o pouco presente funcionário público nos encaminha a quatro situações distintas. Uma delas é o desenrolar do desencontro de um casal interiorano recém-chegado à capital. Ao procurar um salão de beleza, Milly (Alessandra Matonardi) se perde, pairando em meio às filmagens de uma produção cinematográfica. Antonio (Alessandro Tíbero), por sua vez, precisa fingir que a prostituta Anna (Penélope Cruz) é sua esposa. A segunda história é a trajetória de um homem, Leopoldo (Roberto Benigni), que se torna famoso repentinamente. A terceira apresenta o envolvimento de um jovem arquiteto, Jack (Jesse Eisenberg), com a melhor amiga de sua esposa, Monica (Elen Page). Por fim, há a história um casal, Jerry (Woody Allen) e Phyllis (Judy Davis), que vai ao país europeu conhecer Michelangelo (Flavio Parenti), noivo de sua filha Hayley (Alisson Pill).
A narrativa é quase um apanhado de piadas, seja humor pastelão ou não. No entanto, sob o olhar de Allen, tudo se mostra mais refinado, fugindo ao humor barato. O realizador sabe dosar muito bem essa miscelânea de gags, equilibrando e arrancando risadas até de clichês, como medo de voar de avião ou uma pessoa e cantores de chuveiro. Outro aspecto interessante da obra são as falas em italiano. O uso do inglês tem uma certa lógica dentro da trama. As histórias de Benigni e do casal interiorano, por exemplo, são basicamente faladas no idioma da Itália.

Os protagonistas seguem a linha de outras obras de Allen. As mulheres são poderosas, independentes, mas um pouco confusas. Os homens são neuróticos, falam rápido e são facilmente envolvidos pelas mulheres. No entanto, isso não apaga o mérito dos atores, que, em geral, se encaixam bem em seus papéis. O destaque, claro, fica para a aparição, depois de sete anos, do próprio diretor em um de seus filmes. Alec Baldwin também chama a atenção, em especial, devido ao caráter diferenciado de seu personagem, que funciona como uma espécie de consciência do personagem de Eisenberg.
Como já esteve evidente em outras obras como Memórias (Stardust Memories), de 1980, e Celebridades (Celebrity), de 1998, o filme apresenta diversas referências ao cinema italiano, em especial, o felliano. A história do um casal interiorano que vai a Roma, mas se desencontra e a noiva acaba conhecendo um importante ator italiano é a premissa de Abismo de um Sonho (Lo Sceicco Bianco), de 1952. Já os paparazzi da história protagonizada por Benigni, por sua vez, remetem ao A Doce Vida (La Dolce Vita), de 1960, por exemplo.

Enfim, Para Roma, com Amor é uma interessante comédia alleniana. Em meio a um enredo leve, as piadas que tornaram seu realizador famoso continuam. No entanto, faltou uma complementaridade narrativa, o que dá a impressão de que são pequenas piadas enfileiradas. Apesar de não ser uma obra-prima, como Manhatann (Manhattan), de 1979, o filme é interessante, divertido e detentor de diversos méritos, que vão além das belas paisagens italianas.
Para Roma, com Amor
Título original: To Rome with Love
Ano: 2012                               Estreia no Brasil: Jun/12
Direção e roteiro: Woody Allen
Com: Woody Allen, Alec Baldwin, Roberto Benigni, July Page, Penélope Cruz, Elen Page, Jesse Eisenberg, entre outros
Duração: 102 minutos


Crítica: A Delicadeza do Amor




Quando o feio bonito lhe parece

É preciso seguir em frente, trilhar novos caminhos, andar com as próprias pernas. Talvez esses tipos de metáforas ou clichês não sejam tão usuais na França, mas se encaixam no argumento de A Delicadeza do Amor (La Delicatésse). No filme, dirigido pelos cineastas estreantes David e Stéphane Foenkinos, o ato de caminhar é uma constante. Inicialmente, os passos de Nathalie (Audrey Tautou) percorrem uma rua recheada de toques de cor e integram o ritmo da trilha sonora. Afinal, logo após ela encontrará o apaixonado François (Pio Marmaï), seu futuro marido. A vida da protagonista se torna plena. No entanto, um acidente fatal a deixa viúva. Desde então, seu caminhar passa a ser arrastado, tudo fica cinza e a música se torna quase ausente. Num gesto simbólico, ela joga todos os pertences do falecido no lixo e se atira com todas as forças restantes no trabalho. Três anos depois, quando já havia angariado fama de workaholic, a personagem beija inesperadamente um novo colega de trabalho, o sueco Markus (François Damiens). A partir daí, o mundo certinho da trama começa a ruir e, nesse meio tempo, ocorre muito vai e vem por ruas, parques e corredores.


A empresa em que Nathalie trabalha tem uma forte relação com clientes suecos. Devido a isso, seu chefe, Charles, (Bruno Todeschini) supõe coerente pendurar na parede um cartaz de  Gritos e Sussurros (Viskningar och rop), de 1972,  e servir lanches tipicamente nórdicos. Tudo para que o ambiente pareça habitado por entendedores da terra de Ingmar Bergman. No entanto, a atmosfera de superficialidade não se resume a isso. As próprias relações interpessoais funcionam do mesmo modo. Todos são engomadinhos e bonitos demais. Somente quando se descobre a aproximação da personagem principal com o desengonçado e pouco atraente Markus, os preconceitos vêm à tona. Para os colegas, para os amigos e, principalmente, para o chefe de Nathalie, o sueco não está ao nível da jovem. Para eles, que vivem num mundo de rótulos, a aparência do affair da protagonista é suficiente para rejeitá-lo como possível pretendente . Dentro desse feixe de hipocrisias, o par romântico da personagem principal é a pessoa mais real. Apesar de atender a algumas das idealizações românticas como ser muito educado e apaixonado, ele também é o único que se revolta e toma uma atitude, inclusive, brigando com outro homem. Markus é a figura que foge ao mundinho literalmente colorido da história – a decoração é repleta de pontos de cor, em especial, as primárias.

Em termos técnicos o longa-metragem não foge ao usual, mas apresenta alguns aspectos interessantes. A câmera é usada de uma forma diferenciada em, ao menos, dois momentos: quando François pede a protagonista em casamento – o movimento dos personagens congela e a câmera os circunda, dando uma ideia de que os dias estão a passar; e quando Nathalie é avisada do acidente do marido – a imagem fica desfocada e confusa, evidenciando o estado mental da personagem. Já no mais, não há muito o que acrescentar: a trilha sonora é pouco ousada, atendo-se somente a embalar a narrativa; a fotografia e a montagem são quase burocráticas.

Lançado em 2001, o longa-metragem recebeu duas indicações ao César (por roteiro adaptado e filme de estreia), o principal prêmio da indústria cinematográfica francesa. Curiosamente, o roteiro foi escrito por David Foenkinos, também autor do best-seller que originou o argumento da obra. Para transpor sua história para a linguagem do cinema, o escritor contou com o apoio do irmão Stéphane, diretor de casting há 15 anos. 
A Delicadeza do Amor tem méritos, mas não foge o suficiente dos clichês das comédias românticas, em especial, das francesas. A personagem de Audrey, inclusive, é muito semelhante com outra vivida pela atriz em  Uma Doce Mentira (De Vrais Mensonges), de 2010: ambas são carrancudas, extremamente dedicadas ao trabalho e desinteressadas em se apaixonar. No caso das obras citadas, as personagens tem o mesmo perfil, o que, talvez não por culpa da intérprete, limitou a atuação. De fato, uma das carências do longa-metragem é um aprofundamento psicológico que suprisse a aparência superficial dos personagens secundários. As personalidades ficam calcadas nos estereótipos: a megera a ser domada, o atrapalhado mocinho a conquistá-la e os críticos a apontar defeitos. Portanto, apesar do encerramento poético, o superficial dá o tom. A referência à obra bergmaniana se restringe somente ao cartaz na parede da sala do chefe de Nathalie. Enfim, trata-se de um filme agradável, mas daqueles que fogem à memória no acender das luzes
A Delicadeza do Amor 
Título original: La Delicatésse
Ano: 2011                        Estreia no Brasil: Mai/12
Direção: David Foekinos e Stéphane Foekinos
Roteiro: David Foekinos 
Com: Audrey Tautou, François Damiens, Bruno Todeschini, Pio Marmaï, entre outros.
Duração: 108 minutos