O
ressurgimento do homem por trás da máscara
Batman – O Cavaleiro das
Trevas Ressurge (The Dark Knight Rise) é uma daquelas grandes exceções do
cinema, em que praticamente todos os segmentos de público se juntam para
assistir ao mesmo produto. Não se trata apenas de mais um blockbuster, mas sim de uma trama que leva, ao mesmo tempo, cinema
autoral e excelência técnica à trajetória de uma pessoa que não consegue
conviver com traumas do passado.
O
último filme da saga se passa oito anos após a morte de Harvey Dent/Duas Caras
(Aaron Eckhart), num momento em que os crimes foram praticamente erradicados de
Gothan. A morte do promotor público foi
o estopim para modificações na legislação e na fuga de diversos corruptos
locais. A culpa pelo crime recaiu, no entanto, sobre Batman (Christian Bale), o qual nunca mais foi visto desde aquela
noite. Após sua aposentadoria como super-herói,
o bilionário Bruce Wayne isola-se em sua própria mansão. O antes forte
justiceiro está frágil, precisando de uma bengala para se locomover. Sem atuar
como o homem-morcego, ele se torna uma figura sem propósito, vagando sem
diretrizes. A situação somente começa a
se modificar quando Selina Kyle (Anne Hathaway) furta o protagonista. No
entanto, é a vinda de Blane (Tom Hardy), ex-membro da Liga das Sombras, que resulta no ressurgimento do Cavaleiro das Trevas .
Em contraste com a própria ideologia higienista que propaga, o vilão organiza
seus trabalhos nos subterrâneos, isto é, ele organiza a limpeza moral da cidade
no local onde a mesma despeja seus dejetos. Além dos já conhecidos Comissário
Gordan (Gary Oldman), Alfred (Michael Caine) e Fox (Morgan Freeman), são
apresentados novos personagens, como o jovem policial Blake (Joseph Gordon-Levitt)
e a investidora Miranda (Marion Cottilard).
Como
fechamento bem-sucedido, o filme dialoga com seus antecessores Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark
Knight), de 2008, e Batman Begins
(idem), de 2005. Não só personagens
são retomados, mas também conflitos já evidenciados nas outras obras. No
entanto, dessa vez, a figura central é a própria cidade de Gothan. Ao longo de quase três horas, diversos eus fictícios e subtramas
são apresentadas, o que enfraquece a coesão da história. O excesso de situações
em alguns momentos resulta em resoluções rápidas e insípidas. A segunda
recuperação física de Bruce é, por exemplo, mostrada de uma forma um tanto
quanto superficial se comparada à gravidade da lesão. Além disso, o desfile de
personagens é tão intenso que o próprio Batman se torna coadjuvante.
O
longa-metragem trabalha com situações de contraste entre o corpo e o olhar, a
natureza física e a psicológica. Nem sempre a mente aguenta fazer aquilo que é
preciso, então, aqueles que nos apoiaram (ou poderiam fazê-lo) nos abandonam,
buscando se autoproteger. Os personagens da trilogia de Christopher Nolan não
são figuras irreais que colocam a salvação do mundo acima de tudo: eles têm
fraquezas, anseios, dúvidas, decepções. O olhar de Blake perante a figura de Batman é impressionante, pois exala de
uma forma muito intensa a admiração do jovem policial idealista. A mesma figura
que tem o Homem-Morcego como ídolo vê, no entanto, de forma decepcionada o
trabalho dos policiais que guardam a ponte que liga Gothan ao resto do mundo. Em contrapartida, o aspecto visual mais
evidente em Bane é sua aparência física impressionante, sua máscara assustadora
e sua voz grave e raivosa. No entanto, em determinado momento da trama, o vilão
mostra seu outro lado, protagonizando uma cena de pura comoção, a qual fica
evidente apenas pela única parte do rosto visível, os olhos.
As
atuações são, inclusive, uma atração à parte, em especial a de Michael Caine. O mordomo
de forte sotaque britânico protagoniza duas das mais emocionantes cenas do
longa-metragem. Diferentemente dos dois outros Batmans, dessa vez, ele se mostra cansado e preocupado. A relação
paternal com Bruce se modifica e as piadas tão comuns em suas falas dão lugar a
diálogos profundos e tristes. Christian Bale protagoniza, por sua vez, um
personagem que transita entre o frágil e o inabalável. O ator consegue passar
as dificuldades físicas do personagem, ao evidenciar as dificuldades de
locomoção e até mesmo para falar. O aspecto verbal, inclusive, é um diferencial,
pois há uma grande diferencia entre as vozes de Bruce e Batman. Além de um disfarce,
a fala do super-herói é meio rouca meio grave, como se fosse de alguém que quisesse
exorcizar seus demônios. Em contrapartida, Anne Hathaway dá vida a uma sensual
e muito elegante Selina Kyle. No entanto, apesar de também participar de cenas
de ação, a ladra é a principal fonte de leveza da trama, protagonizando a
maioria das cenas de humor e romance. Já
os personagens de Gary Oldman e Morgan Freeman dessa vez têm um pouco menos de
destaque, mas continuam exitosos em seus papéis.
Aliada
às boas atuações, está a quase onipresente trilha de Hans Zimmer. As canções
que embalam a maior parte da trama são tão envolventes e bem encaixadas que dão
força às cenas em que não estão presentes. É o caso, por exemplo, do primeiro
embate entre Batman e Bane, em que os
sons dos golpes embalam a própria cena. O mesmo ocorre no momento em que um
menino canta em um estádio de futebol, pois a voz frágil e comovida do garoto
dá um tom ainda mais dramático ao que vai ocorrer. Já a montagem sofre em parte
com o excesso de subtramas. As cenas iniciais, como o primeiro dos dois
discursos de Gordon no Dent Day e o sequestro do Dr. Pavel, se mostram pouco
necessárias à narrativa, trucando o desenrolar da história. Apesar disso, a
trama está razoavelmente bem costurada e detém algumas boas montagens
paralelas, que dão ainda mais dinamismo às sequências.
Do
ponto de vista ideológico, a narrativa se mostra um pouco contraditória. Afinal,
o mesmo Batman que conviveu na cadeia
com diversos presos - e foi ajudado por muitos – parece aprovar o rigor da Lei
Dent. Devido à nova legislação, os detentos praticamente têm seus direitos
anulados, chegando ao cúmulo de se prender mulheres junto a homens. Independente
de pontos de vista políticos, soa estranho a forma totalmente diferente de como
são mostrados os prisioneiros de Pietra Dura e os quase maníacos de Arkhan e Blakegate. Ao mesmo tempo, parece ainda
mais estranho o fato de que, mesmo após o ocorrido no estádio de futebol, parte
da população se alia à Blane. Os tribunais quase jacobinos parecem forçados
demais para uma cidade muito mais oprimida e amedrontada do que adepta de um
discurso social altamente totalitário.
Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
Título original: The Dark Knight Rises
Ano: 2012 Estreia no Brasil: Jul/12
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan e David S. Goyer
Com: Christian Bale, Michael Caine, Gary Oldman, Morgan Freeman, Anne Hathaway, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt, Tom Hardy, entre outros.
Duração: 164 minutos