Ao longe e desfocado, o Cristo Redentor é visto de uma estação de trem: O lobo atrás da porta não ocorre no Rio de Janeiro dos cartões-postais, mas em um subúrbio longe dos olhares de turistas. Nessa atmosfera mundana, um fiscal de ônibus e uma ex-atendente de telemar-keting se encontram ao acaso e, ao se envolverem, dão início a um círculo de agressões mútuas. O resultado de tudo é a tragédia. Em tom de thriller, flertes com o drama e um pouco de humor, o primeiro longa-metragem de Fernando Coimbra foi premiado nos festivais do Rio e de San Sebastián. Para os próximos meses, já tem estreias previstas para Espanha, México, Coreia do Sul, Canadá, Estados Unidos e outros 15 países.
O
filme retrata os fatos que antecederam o desaparecimento de uma menina
de 6 anos. Para contá-los, são reunidos, em uma delegacia, os principais
envolvidos na história: a mãe, Sylvia (Fabíula Nascimento, de Estômago); o pai, Bernardo (Milhem Cortaz, de Tropa de Elite), e a amante deste, Rosa (Leandra Leal, de Nome próprio). Ao delegado (Juliano Cazarré, de Serra Pelada),
os depoentes apresentam contraditórias e incompletas versões sobre o
ocorrido, gerando uma espécie de jogo de ilusões e mentiras.
Baseado em fatos reais, O lobo atrás da porta começou a ser gestado há 16 anos, quando Coimbra ainda estava na faculdade. Na ocasião, o cineasta se interessou pela história da “fera da Penha”, um assassinato ocorrido nos anos 1960. Intrigado pela forma monstruosa como o autor do crime era retratado, ele iniciou uma série de pesquisas, que resultaram em um roteiro - retomado e totalmente reformulado somente em 2008. A ideia era submergir no universo daquele personagem, sem fazer avaliações maniqueístas, de modo a abordar o seu lado mais humano.
Embora seja ficcional, o longa
(tal qual a história real) se desenvolve em um bairro periférico da
capital fluminense. Conforme Coimbra, “a história poderia se passar em
qualquer lugar”, mas o fato de ocorrer no Rio de Janeiro a torna mais
verossímil, pois os cariocas têm uma personalidade mais aberta e
receptiva, como os personagens da trama. Além disso, as locações no
subúrbio proporcionavam uma abordagem mais “naturalista”, que facilitava
a ideia de que a história poderia ser protagonizada por “trabalhadores
comuns”, fora de estereótipos.
Dentro desse
ambiente, a câmera observa os personagens tal qual um voyeur: segue
personagens a caminhar, aguarda um ambiente à espera de uma ação e se
volta a atores de acordo com o que lhe convier. Como os planos são, em
geral, mais fechados nos atores e em detalhes do espaço, nem todas as
figuras em cena e suas ações são mostradas por completo. “Não queria
ficar com a câmera parada o tempo todo, queria que ela tateasse pela
cena, meio passeando pelo ambiente, encontrando e perdendo aqueles
personagens”, ressalta o diretor, que tem nove curtas-metragens no
currículo.
Para complementar essa ideia, foi
utilizado o desenho de som, assinado por Ricardo Cutz, pois, em algumas
situações, são as sonoridades (como latidos de cães ou alarmes de
veículos) que preenchem os recintos e os silêncios. Por outro lado, a
música é pouco melódica e funciona quase como fábrica de ruídos, que
reverberam na mente dos protagonistas (e do público). Segundo Coimbra, a
proposta era usar o mínimo de trilha sonora e lançar mão das
sonoridades de maneira mais precisa. “Queríamos trazer o ambiente do
subúrbio no som, fazer uma construção sonora para dizer onde eles estão,
de como é a vida deles”, comenta.
Esta visão crua
permanece na fotografia de Lula Carvalho (parceiro antigo de Coimbra),
que apresenta uma textura granulada e faz um jogo com o enfoque e
desfoque de ambientes e personagens, de modo a reduzir o espaço mais
nítido da cena. Para o diretor, a ideia era que a imagem trouxesse “um
aspecto mais ruidoso, sujo”, pois “se fosse cristalina, não passaria o
que gostaríamos”, explica.
Embora dialogue com aspectos do thriller, O lobo atrás da porta
não se restringe aos clichês do gênero. Deste modo, mais do que
explicar os detalhes do desaparecimento de uma menina, o filme retrata a
montanha-russa emocional pela qual transitam os protagonistas. Assim, é
difícil distinguir entre o que realmente ocorreu no universo daquela
história e o que foi recriado pelos depoimentos. Afinal, todos os fatos
são apresentados em flashbacks introduzidos pelo ponto de vista de um
algum personagem.
Como afirma Coimbra, nenhum
relato é confiável. “A ideia de contar diferentes pontos de vista é
justamente deixar essa sensação de que você pode acreditar ou não,
escolher o que acredita. Quem está falando a verdade eu não sei”,
finaliza. Cabe, então, a cada espectador montar sua própria fábula de
horror.